20 de mai. de 2006

Dias de estrada - Parte 2

Goiânia, Goiás.

São 17:42 e a Lan house quase ao lado do hotel não podia estar melhor localizada para que mais novidades venham à tona, afinal se todos pensam que nossa aventura mineira terminou com os sorrisos da Obra, posso dizer que na hora em que eu terminei de escrever o "relatório", no saguão do hotel em BH, é que ela estava realmente começando. Fico lembrando das biografias das bandas e das várias histórias toscas que já rolaram. Ontem aconteceu com a gente! Depois de escrever o diário que vcs já leram, James e Thiago foram conosco comer alguma coisa no shopping fantasma próximo ao hotel. Era relativamente cedo e dava para comer com tranqüilidade. Ainda deu tempo de passar no Hard Rock Café e conferir de perto o puta sistema de som, que um mês antes eu e o João tínhamos visto numa matéria da Áudio, Música & Tecnologia. Passagem rápida. Subimos mais um piso e lá estava a pastelaria da praça de alimentação fantasma, único estabelecimento aberto para se fazer uma boquinha. Desde a chegada o Magrão já havia nos alertado quanto ao horário, que tínhamos de chegar cedo na rodoviária, etc. Pastel vai, pastel vem, política, música, pop, rock, festivais, zeca baleiro, lenine e afins e a hora passou. Segundo o João, o cara que vendeu as passagens em Rio Branco tinha afirmado que o busão sairia às 8:30. Todos tranqüilos retornamos ao hotel apertando o passo, já que os ponteiros marcavam 7:30. Carregamos as coisas nos carros dos Alto-Falantes boys e partimos rumo à rodoviária. James comigo, Magrão e Anzol e o João com o Thiago no outro carro. O clima já era de despedida, aquela hora em que rola a avaliação do quanto tinha sido importante tocar na Obra, ter gravado pro programa, enfim... era hora do velho momento "valeu, mesmo!".

Todavia, nem imaginávamos que uma grande aventura tosca estava prestes a começar. Eu e o João fomos ao box da Real Expresso para preencher as passagens. Até aí tudo bem. Tudo como manda o figurino de uma banda que tem tudo na ponta do lápis. É... só que nós não temos tudo na ponta do lápis e foi quando o tiozinho da empresa pegou os bilhetes e perguntou: "cêis vão amanhã a noite?". – Não, vamos no busão das 8:30 – Respondeu o João, com uma leve demonstração de horror na voz. – Mas esse caro já saiu, aliás acabou de sair. – Disse o funcionário. – Fudeu! – Dissemos em coro, quando o horror já tinha nos dominado por inteiro. Mas com nessas horas sempre aparece alguém com uma "boa" idéia, o tiozinho disse que era só a gente correr pro carro que dava tempo de atalhar o busão no meio da estrada, já que ele ia parar em Betim, outro município que fica na região metropolitana de BH. O detalhe: segundo informações da agência em Rio Branco, só essa empresa fazia a linha BH-GO e que o próximo busão só sairia na próxima noite, na hora do que deveria ser nosso show em Goiânia. Ou seja, trocando em miúdos, corríamos o risco de não ter como chegar a tempo do show.

Numa cena típica de filme lado b, eu e o João saímos correndo pela rodoviária até o estacionamento com o coração na boca. Foi foda! Todo mundo enfiou as coisas dentro dos carros de novo e partiu rumo a... aonde mesmo? Na correria a gente esqueceu onde é que o ônibus ia parar. Voltei lá e perguntei. Os caras estavam ligando pro motorista para ele ir devagar. Foi quando o tiozinho me disse que o busão ia parar na antiga barreira, em Betim. Aí começou a odisséia. Corta daqui, pega a via expressa, passa o viaduto e segue pra Betim. Isso parecia fácil. O problema é que o coração tava na mão e os pés do James e do Thiago lá em baixo. O clima de "valeu, foi massa!" deu lugar ao "Meu deus, será que a gente vai achar a porra do ônibus?". E assim se passaram 50 minutos, uma dúzia de caminhos estranhos, o turismo rápido por Betim, cidade que vive em função da fábrica da FIAT, ultrapassagens alucinadas, buracos malditos, e a tensão de saber que poderíamos perder o show em Goiânia. No final das contas só achamos, com certeza, a maldita "antiga barreira" na volta (aliás ninguém sabia onde ficava, até os policiais!). Então começaram os preparativos para o clima "como é que vamos fazer agora?". Voltamos para a rodoviária e mais uma vez os deuses do rock abençoaram a história. Tinha uma empresa com um ônibus que ia pra Caldas Novas, perto de Goiânia. Só deu tempo de comprar as passagens e embarcar no ônibus. Nem acreditávamos que estávamos indo para Goiânia. Aliás, ninguém acreditava. O Thiago nem sabia se tava vivo depois de quase ser triturado por um caminhão, junto com o joão, quando pararam para pedir informação, lá na nossa cidade do coração, Betim. Êta, nóis! Já no clima "deu tudo certo, mas temos que nos ligar mais e confirmar sempre os horários das passagens" nos despedimos dos nossos companheiros de rali urbano. Durante a correria deu para saber que se o James não fosse artista gráfico, jornalista, assessor de imprensa, produtor e os caramba ele podia se arriscar em alguma das fórmulas. A mesma coisa o Thiago. O que foi mais bacana em tudo isso era saber que os seis personagens desse episódio surreal estavam passando por aquela situação por causa música. Isso é lindo, mas se tivéssemos confirmado o horário nada disso teria acontecido. Vivendo e aprendendo.

Apesar da estrada ruim e do frio, chegamos bem à Caldas Novas. Demos sorte e embarcamos no busão da Viação Paraúma, rumo à Seattle tupiniquim, Goiânia. Só pra magoar o coração dos quatro, ainda rolou um bloqueio da estrada, por agricultores em protesto. Uma fila imensa se estendia e, não sei porque motivo, nos deixaram passar. Seriam os deuses do rock atuando naquele cenário típico de Dois Filhos de Francisco?

Tudo certo, então. Chegamos em Goiânia e já encontramos uma galera na rodoviária. Entre eles, uma lenda viva do metal brasileiro, Carlos Vândalo... daí foi entrar na Van, falar sobre o samba do Evo Moralles, das idiotices do Minardi (como isso tá repercutindo), do Acre, da música... um almoço com os caras, onde o Magrão revelou sue passado metaleiro (ele tinha até os discos da banda do Carlão!). Mais um desses momentos bacanas, onde se conversa de tudo.

Depois do almoço, rumo ao ótimo hotel que a organização do Bananada reservou para as bandas. As primeiras impressões sobre a produção foram boas. Os caras são bem atenciosos com todo mundo. Daqui a pouco, vamos para o Centro Cultural Martim Cererê, onde rolam os shows. Deixa eu ir, senão a gente se atrasa. E de atraso já basta o aperreio em BH. Ah, o show de hoje vai ser dedicado aos alto-falante boys, em homenagem à enrascada que os caras se meteram por conta do falso horário das passagens. Saudações amazônicas!

19 de mai. de 2006

Dias de estrada

A mini tour dos porongas começou na madrugada de quarta para quinta, quando embarcamos rumo a Belo Horizonte. No vôo encontramos o Presidente da FEM, Assis Pereira, que ia participar de um Forum no interior do Mato Grosso. Ele e outras pessoas, inclusive o pessoal da Gol, nos desejaram boa sorte na empreitada. O matador vôo da Gol, que sai às 2h da madruga, estava vazio e deu para descansar até a conexão em Brasília. Da capital, tudo no horário, seguimos para a capital do brasileiro rock progressivo do Clube da Esquina, do trash metal do sepultura e do pop seminal do Skank, Jota quest, Pato Fu. BH, uma metrópole com mais 3 milhões de habitantes nos recebeu com um pouco de frio esquecido com o sorriso estampado no rosto do James, da produção do Alto-Falante, que nos esperava no aeroporto. A atenção e o carinho do James, que também se chama Rodrigo, se estenderia a todos os outros personagens mineiros que apareceriam nessa história. Coisa boa que fez com que esquecêssemos o duro pouso do avião no aeroporto de Confins.

Do aero, atravessamos a cidade em mais de 50 minutos, com direito à explicação do nosso cicerone e guia turístico James. Depois de cruzar BH, chegamos a uma das partes mais altas da cidade, onde fica o hotel Piemonte (que hotel), uma gracinha que faz toda a diferença para uma banda que tá na estrada. O hotel e alimentação foram bancados pela Rede Minas, parceira no projeto Noite alto Falante, que acontece na Obra, onde tocaríamos mais tarde. Depois de deixar as coisas no hotel, o prestativo James (não dá pra não elogiar, porque a atenção dos caras comprova a máxima de que "mineiro é tudo gente boa!") nos passou o relaxado roteiro: fomos a um shopping, onde fica a Oi FM, gravar uma participação para o Programa Frente, do Henrique Portugal, tecladista do Skank. Depois de falar sobre o Acre, a cena, a música e assuntos interligados, fomos experimentar um pouco da culinária mineira: MCdonalds(!). Isso é de fato um fetiche tosco, mas fomos lá. Na verdade a comida mineira só viria na janta (também paga pela rede Minas), num restaurante tradicional da cidade. No Mac, encontramos outra figuraça, que havíamos conhecido no MADA, em Natal, o Thiago, também da produção do Alto-Falante. É muito bacana poder encontrar pessoas que compartilham das idéias sobre o mundo da música independente e o Thiago é um desses caras com consciência e "visão panorâmica". Pra variar, muito papo.

Em seguida fomos gravar o quadro "Garimpo", do Alto-Falante, no espaço cult da cidade, o Café com Letras. Sabe aquele espaço Los Hermanos, que só falta um letreiro dizendo "dedicado especialmente aos estudantes da área de humanas que querem discutir semiótica"? Pois o lugar era esse e fomos lá falar um pouco sobre o tal rock amazônico(!) dos Porongas além, é claro, de fazer as imitações do Terence, da Zélia Duncan, do Dinho Ouro Preto... A produção tinha reservado até a hora da soneca. Voltamos ao hotel e descansamos até às oito e meia, quando fomos passar o som. A Obra é um legítimo pub, literalmente underground (você desce uma escada e o espaço fica no sub-solo). Aquele lugar tem uma bonita história, mesmo sem citar os nomes que já passaram por aquele palco, pode-se afirmar que, sem sombra de dúvidas, A Obra, é dos poucos espaços que conheci, onde o que fala mais alto não é o faturamento da bilheteria, mas a música que é emitida do tímido e suficiente sistema de som. A Obra é o maior palco da cena independente mineira e, quiça do Brasil, muito pelo idealismo e coração impregado no lugar pelo seu mentor maior, o Claudão. Na pasagem, duas coisas massa de cara: um técnico atencioso, o Gil, e "Os quatro Caras", banda pop mineira bem resolvida que, pra variar, tem quatro caras muito gente boa (é a velha máxima).

Enquanto rolava a tradicional conversa paralela (guitarrista - guitarrista, baixista-baixista, batera-batera) eu conversava com o vocalista e sua namorada, que conhecia muita gente de Rio Branco e era muito amiga do Ricardo Bartholo. Há uma teoria de que BH é um ovo. Nos disseram isso várias vezes. Como no Acre a gente também tem a mesma teoria, percebi que o Brasil é um ovo e que todo mundo se encontra nessa estrada doida. Depois da passagem, era hora de desfrutar o jantar redeminiano na companhia do inseparável James, ou Rodrigo, como preferirem. Ao sabor dos tutus, costelinhas e congêneres, muita discussão sobre música mineira. Do clube da Esquina ao Jota quest, passando pela cena independente, foi uma aprendizado do caralho.

O cara tá escreendo um livro sobre o clube da Esquina e descobrimos, durante o papo, quando o Thiago também já tinha chegado ao restaurante, que o Rodrigo era o cara que tinha escrito uma das matérias que mais tinha nos inspirado depois do começo da banda. A matéria falava sobre os dez anos do skank, quando os caras lançaram o cosmotrom, e foi publicada na Zero. Ainda lembro de quando cheguei na casa do João e ele me disse, há mais de um ano: "olha aquela revista ali, tem uma puta matéria sobre o skank". Tinha ficado impressionado com o texto, a abordagem e o conteúdo da matéria. Muito inspiradora também pela própria trajetória do Skank. Era massa poder estar jantando com o cara e dizer pra ele que o seu trabalho tinha nos inspirado. Isso prova que quando a obra é boa, seja música, jornalismo, produção, ela fica, e como fica.

Depois da janta, era hora da batalha. A Obra não ficou lotada nem ficou vazia. O lugar que comporta umas 200 pessoas, devia ter umas oitenta. Todos atentos para o pop competente dos quatro caras, que abriram a noite com um belo sotaque mineiro. Com o clima mais quente, era nossa vez de subir ao palco. O fato de sermos uma banda do Acre gerou, pelo menos, uma curiosidade na galera. Alguns desconfiavam. Teve uma garota que chegou na portaria e perguntou ao segunrança: "Uma banda do Acre? Que som eles fazem?" diante da explicação esforçada do segurança, a moça fez cara de "eu, heim" e preferiu ir embora. É massa ver a reação das pessoas. Será que quando tocássemos a reação também seria essa? Estávamos tranquilos. Quando Claudão nos anunciou, o público se aproximou mais e esperou que começássemos. Fomos tocando nossas músicas, uma a uma. Nada de luzes, máquina de fumaça, microfonação da bateria. Éramos nós e a galera, frente a frente, num diálogo que foi se tornando mais interessante a cada final de canção. Minas sorriu pra gente nessa noite. Rolou até a versão de come together, única que foi balbuciada pelos presentes. A debandada, possível, não aconteceu, e nos despedimos da primeira cidade do sudeste em que tocamos, com um sorriso do tamanho do que ela nos deu, na face do James, quando descemos do avião. Agora é Goiânia, bananada. Até mais. As saudações de sempre!